Maioridade penal: arte-educação e nonsense autoritário
26 de abril de 2015 at 2:39 pm Deixe um comentário
Escrito por Plinio Gentil
Correio da Cidadania
Sensação de “nonsense” no discurso da redução da maioridade penal. Quem são os pregadores da idéia? Conhecedores da vida do jovem na periferia? É nele que vai recair o peso da lei. Ali não falta repressão, falta perspectiva. Na periferia, faltam praças, espaços de convivência, falta o Estado e os bens a que todo cidadão deveria, por direito, ter acesso: boa escola, eficiente atendimento à saúde, transporte digno, moradia de gente.
Pois é bom saber que tem movimentos sociais e tem quem trabalhe com jovens da periferia, não só periferia física, periferia cidadã, jovens à margem do que o desenvolvimento oferece. Sabem o que é arte de rua, hip hop, rap engajado? Sabem o que são arte-educadores? Profissionais comprometidos com a transformação conseguem dialogar com esses jovens por meio da poesia, música, literatura… E neles fazem brotar o que todo homem tem de melhor: sua humanidade, vestida de sensibilidade, criatividade. E jovens antes sem perspectiva tornam-se artistas, poetas.
Pode?
A falta de perspectiva é a maior falta. MC Guimê é referência, viva a ostentação. Não existe vácuo, alguém sem perspectiva vai pros braços de quem tiver poder de organizar, agregar. O tráfico, a gangue, agregam. A facção criminosa agrega e, portanto, oferece perspectiva. O jovem sente-se protegido. O sujeito vulnerável, porque sem dinheiro, sem estudo, porque preso, porque humilhado, entra para a facção. A facção dá cesta básica, paga despesas da família. O jovem que estava preso, quando ganha a liberdade, vai roubar, pra devolver à facção o que lhe foi dado.
Mas o jovem também pode ser capturado pelo movimento social que nele faz brotar aquele artista, é talvez uma questão de sorte. O jovem pode virar poeta, rapper. O rap dialoga porque fala da realidade nua e crua, sem enfeite, na língua falada na rua. O rap conta o dia a dia e o seu fim, às vezes trágico, por isso mostra que o crime não compensa. O jovem também acha que não compensa, mas às vezes a escolha é difícil. Está acostumado com a humilhação. Na periferia, a morte é só um dado estatístico. É democrática, pega o culpado e o inocente. Pega o policial e tem hora que é o policial que pega alguém. Todos se matam, são todos serviçais, explorados, sem acesso a nada, casualmente em lados opostos. É preciso conhecer em quem vai doer a redução da maioridade pra falar dela.
A sociedade brasileira é autoritária, formou-se no ambiente do latifúndio e aprendeu a reverenciar o senhor proprietário de escravos, dono de pessoas. Em todas as camadas tem gente querendo a redução da maioridade, inclusive naquela que vai sofrer as consequências. O autoritarismo atravessa, em diagonal, as classes sociais e é disseminado pela mídia, que está nas mãos do grande proprietário, o antigo senhor de escravos. E tem o senhor que no fundo sabe que os seus filhos menores de dezoito não serão atingidos pela lei penal.
Do outro lado, muitos dos humilhados não querem acabar com a humilhação, querem ser senhores pra um dia humilhar também. São explorados, estejam na polícia ou na facção, ou à margem de tudo, lhes dá prazer humilhar. Desmilitarizar a polícia é assunto velho na periferia, perguntem… Agora a classe média se interessou, ficou chique. Nesse contexto, botar jovens de dezesseis anos na cadeia é humilhar, humilhar uma classe só, bem entendido.
É claro que vão sair piores, mas isto não interessa, na verdade. O pensamento autoritário-sem-noção-de-olho-no-próprio-umbigo não acredita que possam ser diferentes. Nega aquela humanidade, traz os jovens à margem de tudo. Trata-nos como objetos e joga nas suas cabeças que devem ter isto ou aquilo, convence-nos de que sua humanidade significa ter. Daí, quando vão buscar, do seu jeito, o que não têm, querem acabar com eles.
Nada de ECA… Como cumprir se ninguém dá bola pra direito da criança e do adolescente? Isso tem na faculdade? Tem advogados especializados? A rua perde e a rua salva, o meliante vira artista. Mas não interessa, tem que bater, tem que prender. E o jovem rapper é a exceção que confirma a regra, que é a falta de humanidade “dessa gente”. Esse é mais ou menos o discurso de quem quer reduzir a maioridade penal. Precisava conhecer mais o chão onde pisa e também quem cuida do chão
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